sexta-feira, 8 de julho de 2016

Estuda, tchê: Porto Alegre e seu Partenon Literário

Em 18 de junho de 1868, uma turma de jovens sonhadores que viviam em Porto Alegre se reuniu no prédio do antigo Teatrinho. Liderados por Apolinário Porto Alegre, juntaram suas ideias e forças para fundar uma das instituições mais importantes do Rio Grande do Sul no século XIX. Era o Partenon Literário, que nos anos seguintes seria referência intelectual na Capital.

Apolinário Porto Alegre foi o principal fundador do Partenon Literário em 1868.

A instituição queria estimular os porto-alegrenses ao contato com a literatura. E mais do que isso: proporcionar um círculo que impulsionasse o pensamento crítico, o saber. O material cultural publicado na imprensa era escasso, até mesmo porque a imprensa da época ainda não era sólida. Para atender o objetivo, o Partenon criou seu próprio veículo. Na revista, o público lia sobre literatura, claro. Mas o informativo também incentivou a produção literária local, além de difundir os princípios defendidos pela instituição. Entre as bandeiras levantadas pelo grupo estavam ideias republicanas, abolicionistas e feministas.

Além da produção da revista, o Partenon Literário oferecia uma série de atividades de ensino e cultura. Eram realizados debates, cursos, saraus e peças teatrais. Era uma proposta atrativa para a pequena Porto Alegre de cerca de quarenta mil habitantes.

Para o professor de literatura da Ufrgs, Luis Augusto Fischer, a instituição representou um ambiente de inteligência. Destaca que os integrantes do grupo souberam somar esforços, agregar suas vontades e criar um circuito intelectual. “Faz a conta: que outra instituição proporcionava o pensamento, em 1868, em Porto Alegre? Escolas eram escassas. Não havia nenhum curso superior. Não havia editoras regulares de livros. Havia escassíssimos jornais, com pouco espaço para a literatura e a reflexão (mas havia algum espaço na imprensa, é preciso reconhecer). Aí, um cara sensacional como o Apolinário Porto Alegre agrega dezenas de interessados em volta de premissas que qualquer pessoa de bem, até hoje em dia, subscreveria: cultivar a literatura e o pensamento, discutir o mundo, dar voz a quem quisesse fazer conferências, publicar uma revista. Enfim, toda a ação amplamente positiva que tiveram”.

A reunião que oficializou a abertura da nova agremiação não foi a primeira daqueles intelectuais. “Em torno, então, de Apolinário Porto Alegre, reuniu-se um grupo de sonhadores, que iam escutá-lo como um oráculo. Em sua residência, à Rua Nova, hoje General Andrade Neves, esquina da travessa Itapirú (atual Acelino de Carvalho, a rua coberta), realizaram-se as sessões preparatórias para a fundação do Partenon”, registra Achylles Porto Alegre, que fazia parte do grupo. Aquele 18 de junho foi o momento de formalizar a fundação e mostrar aos porto-alegrenses a instituição que nascia. Na presença do público e de autoridades como presidente da província, Joaquim Vieira da Cunha, reuniram-se no Teatro Dom Pedro II, chamado de Teatrinho (era localizado na atual Marechal Floriano, na quadra entre a Salgado e a Riachuelo), e registraram o primeiro encontro oficial da instituição. “E, à proporção que os dias iam decorrendo, o pequeno grupo de escritores crescia, tornando-se, em poucos anos, uma instituição poderosa, em cujo seio se enfileiraram os nossos homens mais notáveis”, recordou Achylles.

Revista do Partenon

Para o campo da literatura, o maior instrumento do Partenon foi a sua revista. Com o periódico, criou-se uma esfera em que as obras eram ao mesmo tempo publicadas e referidas, conforme lembra Cássia Silveira, em sua dissertação de mestrado em História Dois pra lá, dois pra cá: o Parthenon Litterário e as trocas entre literatura e política na Porto Alegre do século XIX. “A Revista do Parthenon Litterário constituía uma das principais instâncias de consagração literária do Rio Grande do Sul da segunda metade do século 19. No espaço da Crônica Mensal, os membros do grupo davam publicidade aos seus próprios trabalhos literários e dramáticos, assim como aos trabalhos daqueles que se mostravam seus apoiadores”.

Entre as figuras precursoras das letras gaúchas, fizeram parte da instituição – e colaboraram na revista – nomes como Hilário Ribeiro, Múcio Teixeira, Souza Lobo, Lucina de Abreu, João Damasceno Vieira e Aurélio Viríssimo de Bittencourt, além, claro, de Apolinário Porto Alegre e seus irmãos Achylles, Apeles e Lúcio. Todos tinham menos de trinta anos e uns tantos com menos de vinte. Em meio a essa gurizada, também estava o respeitado e experiente Caldre Fião, que já somava mais de quarenta primaveras quando iniciaram as reuniões do Partenon Literário. É de autoria dele Divina Pastora, o primeiro romance da literatura do Rio Grande do Sul, lançado em 1847, quase vinte anos antes da fundação da instituição.

José Antônio do Vale Caldre e Fião

Além dos textos dos integrantes da casa, a revista também publicou o trabalho de intelectuais de fora do estado e, até mesmo, de estrangeiros. É o caso da escritora argentina Juana Gorriti, que defendia a autonomia feminina nos seus romances, contos e memórias, e do poeta francês Charles Poncy, autor de Marines.

O conteúdo da revista era variado, mas minuciosamente selecionado. Nas 32 páginas do informativo, eram publicados textos literários e dramáticos, críticas literárias, biografias de ilustres, síntese dos acontecimentos culturais e artigos de cunho histórico ou filosófico, baseados normalmente nos debates que aconteciam nas reuniões do grupo. A edição era distribuída mensalmente aos sócios do Partenon e assinantes. Circulou entre os anos de 1869 e 1879, somando mais de 70 edições.

Ideias

A revista era apenas uma das diversas realizações oferecidas pelo do Partenon. Outra das principais atividades era o debate. Durante as reuniões do grupo, eram colocados na mesa temas de relevância social, política ou histórica para a troca de ideias. O historiador e urbanista Francisco Riopardense de Macedo, no seu Porto Alegre: aspectos culturais, lembra que, pouco depois do fim da Guerra do Paraguai, foi lançado um tema espinhoso para debate na sociedade. “O jornal (A Reforma) publicava um convite para discussão de tese que teve por título: A invasão paraguaia na Província é ou não justificável? Título agressivo. Eram estudiosos que viveram perto dos acontecimentos. Proximidade espacial e temporal. Coragem ou conhecimento objetivo?”.

Dentro desse contexto de questionamentos e defesa de ideias progressistas, era colocado nas discussões o tema da emancipação feminina. E aí entra em cena Luciana de Abreu. A poetisa e professora foi convidada a participar do Partenon Literário e, com isso, teria sido a primeira mulher no Brasil a ingressar em uma sociedade literária. Mais: teria sido a primeira figura feminina no país a discursar em uma tribuna pública, questionando, evidentemente, posicionamento da mulher na sociedade da época.

Poetisa e professora Luciana de Abreu

A instituição ainda promovia saraus que reuniam as famílias dos sócios. Nesses encontros, havia espaço para leitura, declamação, apresentação musical e dança. “Tratava-se do local, por excelência, da sociabilidade feminina. Era nos saraus, especificamente, que as jovens seriam postas em contato com as ideias e os projetos do grupo”, registra Cássia Silveira.

Como se pode constatar, a realização dos debates, discursos e saraus era alicerçado no pensamento ideológico do grupo e servia, ao mesmo tempo, para difundi-lo ainda mais. Uma prática de grande valor era a arrecadação de verba para alforriar pessoas escravizadas. Outra grande iniciativa foi a implantação do curso de aulas noturnas gratuito, voltado para a população carente. O curso oferecia classes de gramática, aritmética, geografia, história e francês. O Partenon ainda mantinha um museu e uma biblioteca à disposição do público.

Com essa quantidade de atividades, principalmente na área da educação, Fischer sugere que Apolinário Porto Alegre estava preparando um ambiente para proporcionar o ensino superior aos porto-alegrenses. “Tenho a sensação de que o Apolinário chegou a articular um desejo de que o Partenon virasse uma universidade. Isso não está escrito em nada que ele tenha deixado, que eu saiba, mas a vida dele demonstra isso: além de coletar coisas de linguagem, frases, receitas, gírias, reunidas postumamente por um dedicado pesquisador já falecido, Lothar Hessel, num livro chamado Popularium sul-rio-grandense, e pelo seu compromisso com a educação isso se converteria, me parece, em material de pesquisa e aulas, no que poderia ter vindo a ser uma universidade”. Uma pista para o palpite de Fischer foi deixada por Riopardense de Macedo. Ao citar uma notícia do jornal A Reforma sobre a nova sede da instituição, revela: “O Partenon lançou a pedra fundamental de seu templo (…), donde brotará a Academia, o liceu, a escola de ensino livre superior”.

Caso a ideia tivesse se concretizado, o fundador do Partenon seria, mais uma vez pioneiro, já que os primeiros cursos de ensino superior do estado começaram somente em 1895, com as faculdades de Farmácia e Química.

Nasce um bairro

Os planos de Apolinário Porto Alegre e toda a turma do Partenon eram grandiosos. Tanto que, como registrou Riopardense de Macedo, logo trataram de projetar uma sede em local espaçoso longe do burburinho do centro da cidade. Escolheram o topo da colina onde hoje está situada a igreja Santo Antônio. Seria como o Partenon na Acrópole de Atenas, já que o novo edifício deveria ser construído no estilo clássico, aos moldes do templo grego. A ideia era mais audaciosa do que construir apenas um edifício para as atividades da instituição. Foi fundado um novo bairro na localidade até então não urbanizada. Os lotes começaram a ser vendidos. E em 9 de novembro de 1873, foi realizada cerimônia para o lançamento da pedra fundamental, com direito a comitiva saindo do centro em direção ao novo arrabalde.


A construção da nova sede, todavia, não passou da pedra fundamental. “Teriam se esgotado os recursos? Se as loterias tivessem realmente sido concedidas, teriam sido empregadas em outras promoções de mais urgência, como por exemplo o Curso Noturno? O fato é que a turma do Partenon Literário não era de sustentar um programa de construção: tinham muita coisa urgente para fazer”, constata Riopardense de Macedo.

A partir desse ponta pé inicial, o bairro Partenon, como se sabe, se criou, cresceu e se consolidou. Curiosamente o local onde seria construída a nova sede da instituição, por ironia, fica no bairro Santo Antônio e não no Partenon.

Ainda que o empreendimento não tenha sido levado adiante, o trabalho do grupo seguiu firme naquela década de 70. Além das tradicionais atividades, também foram promovidos concursos de literários e de música. Mas aí veio os anos 80 e a coisa começou a esfriar. A revista deixou de circular. A sociedade perdeu membros importantes, como Caldre Fião, que morreu ainda em 1876 e Luciana de Abreu, em 1880. O Partenon já não era mais o mesmo.

Fischer supõe que as questões políticas do momento podem ter sido decisivas para a decadência da instituição. “Posso avançar algumas hipóteses, que gostaria muito de poder comprovar mediante mais pesquisa documental, que nos falta. Por exemplo: Apolinário e outros do Partenon eram republicanos, mas não eram positivistas. Quando o Partido Republicano Rio-grandense (PRR) começou a atuar, especialmente com o jornal A Federação, o Apolinário estava com eles, mas me parece que seu temperamento era democrático, profundamente, ao passo que a ideologia dominante entre os chefes do PRR era claramente autoritária. Sabe-se que, em 93, a casa do Apolinário foi saqueada, houve necessidade de ele fugir para o Uruguai; Então, juntando esses fatos isolados, me parece claro que o Apolinário não teve espaço na nova ordem, ou entre a nova geração republicana, que seria uma aliança valiosíssima”.

No seu Guia histórico de Porto Alegre, o historiador Sérgio da Costa Franco resume como se deram os últimos suspiros do Partenon. “A sociedade só se dissolveu oficialmente em maio de 1899, conforme circunstanciada notícia do Jornal do Comércio de 24 de maio daquele ano. Mas desde a década anterior entrara em hibernação”.

O novo Partenon

Embora tenha fechado as portas, o Partenon Literário permaneceu vivo na memória dos porto-alegrenses. Tanto que, quase um século depois do fim das atividades, um grupo de intelectuais resgatou o nome e os princípios, mantendo viva a tradição do Partenon.

Desde 1997, essa turma se reúne mensalmente para realizar atividades culturais. Os sócios são, na maioria escritores, poetas e admiradores da literatura. A instituição promove palestras, bate-papos, saraus, seminários e exposições. Também publica anualmente, na Feira do Livro, um livro chamado Vozes do Partenon Literário, contendo textos de seus sócios e convidados.

Comparada com cenário daquela segunda metade do século dezenove, a realidade de hoje é bem diferente para a atuação da instituição. O hiato de cerca de cem anos contribuiu para que o Partenon atual tenha suas diferenças em relação ao grupo dos tempos do Apolinário. Por outro lado, busca manter vivas as ideias da antiga agremiação voltadas para cultura. “O Partenon de hoje possui ligação muito forte sim com o do século XIX, e entre seus objetivos está reativar e vivificar os princípios culturais da Sociedade Partenon Literário , fundada em 18 de junho de 1868. Por isso em nossas atividades sistematicamente são realizados atos, homenagens, concursos ressaltando a importância dos sócios fundadores do ano de 1868”, conforme explica o presidente do Partenon Literário, Benedito Saldanha. A grande causa do Partenon de hoje, de acordo com Saldanha, é mesmo o incentivo à leitura e a formação de leitores.”

Fonte: Carlos Garcia

Um comentário:

  1. Prezada
    Agradecemos a divulgação da Sociedade Partenon Literário.
    atenciosamente
    Benedito Saldanha
    Presidente Partenon Literário

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